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Texto: Gonçalo Oliveira
Foto: Marta Pina

Nos bairros, as ruas dançam para celebrar cada novo lançamento da Príncipe Discos. É lá, na periferia de Lisboa, que está a fonte, mas este é um rio que vai desaguar em muitas outras cidades por esse mundo fora. A editora, que se encontra agora a celebrar o seu 10º aniversário, tem dado asas aos seus artistas levando-os a sair do ninho através de digressões que os colocam frente a frente com todo o tipo de públicos. Independentemente da cor, das origens, da crença ou da camada social em que habitam, todos dançam ao ritmo do kuduro mutante destes artesãos.

Logo em Fevereiro, DJ Nigga Fox foi o primeiro a contribuir para a banda sonora da colheita 2022 com o seu EP Música da Terra, três anos depois de ter mostrado as Cartas Na Manga. Pelo meio, o produtor combateu a falta de espectáculos em tempos de pandemia com Live Nigginha Fox, enquanto a sua equipa de management lhe preparava uma digressão em torno deste seu novo projecto, para sublinhar o facto deste ser o som que segue na linha da frente ao nível da exportação musical no nosso país.

A conversa com Nigga Fox aconteceu no Jardim da Quinta de Santa Clara, a 2 de Março, a poucas horas deste ter dado início a uma travessia que o levou a diferentes pontos do continente americano. Este sábado, dia 18 de Junho, Rogério Brandão  um ar da sua graça em Portugal, mais concretamente na Costa da Caparica.

Tu estreias-te pela Príncipe em 2013, mas presumo que tenhas começado a fazer música antes disso. Neste momento já deves estar com uns 10 anos de carreira, não?

Até mais. Profissionalmente, só para aí há 10 anos, ya. Eu comecei em 2008/2009. Depois fui para a Príncipe, lá para 2011/2012. A seguir é que vieram os discos. Já está a fazer 10 anos.

Antes da Príncipe já editavas coisas de forma independente?

Não. Brincava só. Eu nem sabia o que era ser DJ ou produtor. Fazia porque gostava. Mandava as músicas para o Marfox, ele dava aquela avaliaçaozinha. O Marfox é que começou a mandar [as minhas faixas] para o pessoal da Príncipe. Reunimo-nos e seleccionámos as músicas para fazer O Meu Estilo.

Foi importante a presença dessa malta mais velha? Gajos como o Marfox inspiravam-te?

Sim, sim. Eu via o Marfox, o Nervoso, o Firmeza, que também já estava lá na Príncipe, o Maboku… Comecei, aos poucos, a ganhar aquela paixão. “Afinal é mesmo isso que eu quero”. Estava a dar resultado e o pessoal estava a aderir. Fui mesmo… Atirei-me de cabeça. Agora estamos aí, na correria. Sempre.

Deixa-me adivinhar: começaste pelo Fruity Loops?

Comecei pelo Fruity Loops.

E ainda é a ferramenta que usas?

Sempre. Uso o Fruity Loops, mas agora, por acaso, até estou a usar mais a Maschine, por causa dos live sets. Mas quando estou a trabalhar nas faixas, individualmente, é no Fruity Loops. Apesar de, na Maschine, as coisas serem mais fáceis, acho que o Fruity Loops me dá mais pica, em termos de produção. Eu consigo mexer mesmo no som-

É mais intuitivo?

Intuitivo. Tal e qual. Não dá para deixar de usar o Fruity Loops. Posso utilizar outros, mas o Fruity Loops há-de ser sempre a base. Vai estar lá, sempre.

Mas, dentro do Fruity Loops, houve coisas que se alteraram no teu processo?

Muita coisa mudou. Quando eu comecei, para já, não sabia como instalar nenhum VST. Não sabia fazer quase nada. A única coisa que eu fazia era cortar samples de sons. Eu fazia o download dos sons e cortava as partes que eu queria. Fazia disso os meus samples. Era das poucas coisas que eu fazia, até porque o computador nem era meu, mas sim do meu irmão. Só quando decido investir nisto mais a sério é que começo a pedir VSTs e plugins. Eu só usava os instrumentos e efeitos nativos do Fruity Loops até há uns cinco anos. Bué gente me falava do Nexus… “Nexus? Eu não uso o Nexus. Só uso os VSTs do Fruity Loops”. Comecei a instalar plugins, até porque tinha chegado a um ponto em que a minha música se baseava sempre nos mesmos sons. Tive de inovar um bocado. Pedi alguns VSTs, outros comprei-os eu, uns dois ou três. Agora tenho uma biblioteca cheia de VSTs e plugins [risos].

A cena de tocares as tuas próprias melodias, como é que surge na tua música?

Eu faço as minhas notas e vou ouvindo se está a soar bem. Apesar de não ter nenhum curso de piano ou assim, eu tenho ouvidos e sei para onde devo levar a coisa. Não toco as notas todas à primeira. Vou fazendo até me soar bem. Comecei, também, a meter mais da minha voz. Fui mudando algumas cenas. Não muitas. O suficiente para ser diferente. Para não ser sempre a mesma coisa.

Apesar de tudo, juntas-te à Príncipe ainda bastante no início, dado que eles só tinham começado a editar poucos anos antes. Também acompanhaste esses primeiros passos da editora ou estavas mais alheado nessa altura?

Eu não conhecia a Príncipe. Só comecei a conhecer quando o Marfox me apresentou a eles. “Olha, mostrei a tua música a estes gajos da Príncipe. Eles são uma editora, fazem festas…” A partir daí, fui apanhando as cenas e tentei ir sabendo mais. Fomos evoluindo todos juntos.

O Marfox enviava-lhes as coisas por iniciativa própria ou eras tu que lhe pedias porque já andavas a ver da hipótese de editar?

Ele mandava e só me dizia depois.

Então, quando a Príncipe surge com um convite, apanha-te de surpresa?

Tal e qual. Eu fiquei, “whaaat?!” Eles disseram, “vamos fazer um EP”. Para tu veres, naquela altura eu nem sabia o que era um EP. Mas não tinha nada a perder e não custava tentar.

De que forma é que a tua estadia na Príncipe mudou a tua vida ao longo desta década?

Mudou muito… Eu até tenho uma tatuagem aqui, [da] Príncipe Discos. Nem falo só de mim. Mudou muito para todos nós. Também dá motivação para que outros putos trabalhem para conseguirem entrar na cena.

Sempre achei curioso o facto da Príncipe não ser das editoras mais badaladas no nosso país e, no entanto, conseguir ter acumulado tantos quilómetros de estrada a nível internacional.

Não sei se será-

… da honestidade do som?

Talvez. Não te sei explicar bem. Eu próprio ainda estou a apanhar a cena. Mas eu queria mesmo era ter mais cenas cá, em Portugal. Mas, de facto, o pessoal lá fora vibra muito mais do que o pessoal de cá. Sinto que agora, por cá, já estamos a conseguir ultrapassar aquela barreira e as pessoas já procuram mais.

Mas quando vão para fora de portas, sentes que há realmente uma fanbase internacional da Príncipe e que há pessoas que se deslocam de propósito a um determinado clube para vos ver?

Diria que 30% das pessoas que estão no público nos conhecem. O resto são pessoas que nos descobrem lá e ficam, “mas que música é essa? Qual é que é esse estilo?” Isso é bué bacano. Lava os ouvidos das pessoas. Para não ser só techno e não sei quê. As pessoas ficam surpreendidas com o nosso kuduro, a nossa electrónica, o afro-house, sei lá.

E nesses países que vocês visitam, sentes que estão a existir repercussões do vosso som pelos artistas locais?

Sim. Conheço alguns produtores não-portugueses. Há um gajo de Nova Iorque, com quem vou estar em breve, que neste momento só está a fazer batidas como as nossas. Ele antes fazia techno, hip hop… É paquistanês mas mora na América. Ele teve em Portugal no ano passado. A editora dele alugou o Village Underground, trouxe uns cameramen… Filmaram lá uns DJ sets dos Studio Bros, Vanyfox, Shaka Lion e outros. Ele gostou muito da nossa cena e levou-a para os Estados Unidos. Ele está sempre a mandar vídeos dele no Fruity Loops, a fazer as músicas [risos]. Isso é fixe. Também há um promotor em Itália que anda louco com a nossa cena. Um dos sítios onde eu noto que as pessoas vibram mesmo com a nossa cena é em Itália. Sei que todos os anos tenho uma ou duas datas lá, garantidamente. Posso não saber se vou actuar noutros países, mas sei que lá vou ter sempre alguma data.

O Marfox uma vez falou de Glasgow. Disse que lá as pessoas vibravam de uma forma especial com a vossa cena.

Eu já tive lá com o Marfox e com o Firmeza. O Marfox vai mais vezes a Glasgow do que eu. Mas isso também depende dos públicos.

Sentes que, mesmo dentro da Príncipe, há públicos específicos para cada artista?

Sinto. E isso é fixe. Eu sinto que tenho o meu público. No meu público pode até haver quem não conheça o Marfox ou o Firmeza. É bom sentir que as pessoas não estão só focadas num artista.

Nós já ouvimos o Marfox e a Nídia a assinar instrumentais para artistas de voz internacionais. É algo que faz parte dos teus planos, começar a colaborar nesse sentido?

Por acaso, tenho aí um projecto… Depois desta digressão, vou para a Polónia trabalhar com um cantor e produtor. Vou fazer uma sessão de estúdio com o gajo. É raro eu fazer alguma cena desse género. Artistas de voz, tinha de ver… Há alguns com quem gostava de trabalhar, mas que não têm nada a ver com o meu estilo. Tipo o Dillaz, o Allen Halloween… Podem aparecer outros. É uma questão de ficarmos no estúdio para ver se encaixa ou não. Se aparecer, não me importo. Mas não é algo que me faça ser eu a ir procurar.

Em relação ao teu novo EP: isto é música de que terra?

Da terra dos meus pais. É a música das minhas origens. Do Congo. Quando era puto, os meus pais tinham bué cassetes, CDs, DVDs — e todos aqueles aparelhos. Eram as músicas da terra deles. Daí Música da Terra. Até porque quando comecei a fazer kuduro foi com essa influência das músicas que eles ouviam. Os meus pais são do Congo, depois foram para Angola e eu nasci lá.

Samplas essas coisas?

Não directamente. Não tenho as cenas para converter para digital. Mas vou no YouTube buscar, pelo nome do artista e não sei quê. Saco de lá. Não samplo directamente.

Que nomes são esses?

Desde o Bonga, Koffi Olomide, Fally Ipupa, Papa Wemba… À excepção do Bonga, todos são do Congo. A nível de kuduro, ouvia bué o Sebem, Máquina do Inferno, o Puto Prata, que agora já não canta. Eram bués. A minha família enviava bué cassetes de Angola. Um gajo ficava só a papar kuduro.

Samplaste alguns destes nomes para chegar a estes temas?

Alguns. Acho que a “Madeso” foi a única para a qual recorri a samples antigos. O resto foi tudo na Maschine.

Vocês, na Príncipe, pegam nesses sons tradicionais das vossas origens e transformam-no em algo novo. Sentes que essas culturas que vos inspiram já se aperceberam do que se está a passar em Lisboa, ao ponto de agora serem vocês referências para eles?

Em Angola, infelizmente, por causa do afro-house, muitos deixaram o kuduro. Só alguns artistas é que continuam, como o Nagrelha. Esse está mesmo a fazer kuduro — aquele de 140 BPMs. O resto anda tudo nos 130, ali para o afro-house. O Scró Q Cuia, o Nerú Americano… É tudo afro-house. O Scró Q Cuia está muito famoso em Angola e ele, às vezes, vem tocar a Lisboa, ao Docks. O que é que ele faz? Ele fala com os produtores daqui, como o DJ B​.​BOY, da Príncipe. Ele pede beats ao B​.​BOY e faz animações por cima, fala coisas. É isso que ’tá a bater agora, em Angola. Eles vêm cá buscar beats, metem-se a rimar, com flow… Só que não falam nada de especial. O pessoal ’tá numa febre disso. Acho que é por causa do beat. É 90% devido ao beat.

Falaste-me aí em dois tipos de BPMs. No caso do Música da Terra, isto são batidas que se encontram dentro de que intervalo de BPMs?

Varia bué. A “Gás Natural” é 125. A “Madeso” é 130. Normalmente, as minhas músicas de pista de dança são 130. Tenho a “Sasuke” a 122 ou lá o que é. Nenhuma tem o mesmo BPM.

Como é que tu fechaste este disco? És tu que fazes a música de propósito, já a pensar nesse quadro maior?

Não. Eu nunca faço música a pensar, “vai para um disco”. Eu faço N músicas e envio-lhes [à Príncipe]. Escolhemos juntos. “Olha, esta faz mais sentido”. Por exemplo, eu tenho outro álbum preparado. Eu posso mandar-lhes umas 100 músicas, por exemplo. A gente senta-se a ver qual é que combina com qual.

Tens ideia das alturas em que fizeste cada um destas batidas?

Não são deste ano. Foram feitas antes do COVID. Eu tenho muita música. Só o “Gás Natural” é que foi feito durante o COVID.

Nesse próximo álbum que me falaste já ter em mãos, sentes que há uma diferença no teu som entre o antes e o depois do COVID?

A única coisa que o COVID me trouxe foi tempo para terminar o meu próximo set [risos]. Em termos de música, acho que nada mudou. Só me ajudou com o live set. Tive muito tempo para aprender e para errar. Fez-me evoluir.

Tu estás em vias de partir para a América para uma digressão. É a tua primeira vez lá?

Já lá tinha estado. Vou repetir uma sala, em Nova Iorque, chamada Nowadays. É muita bacana. É gigante. Tem um espaço interior muito fixe. E as pessoas lá são bacanas. Eles dançam mesmo de tudo [risos]. Lá é muita bom. Tirando o Nowadays, não repito mais nenhuma sala. Vou tocar sempre a sítios novos. Vou a Washington, que nunca tinha ido. Vou a Filadélfia. Não vou a Los Angeles, infelizmente. Nem a Miami. Miami foi mesmo aquela data que eu queria bué, só que caiu. Ao México já tinha ido. Vai ser fixe.

Quando regressares, começas a tratar do lançamento do outro álbum que me disseste já ter preparado?

Vai depender de como correr a promoção deste. Se o Música da Terra bater durante dois anos, sai daqui a dois anos. Entretanto, vou fazendo mais músicas. Quando for para lançar, logo se vê se sai mesmo esse ou se a gente faz outro.

Já tens título?

Não. Nem título, nem capa. A capa, tenho de a dar no “mágico” para ver o que é que ele faz [risos]. O título é sempre o mais difícil de arranjar, para mim. Fico dias a pensar. “Que nome é que eu vou dar? Não sei!” Mas até lá terei um que faça sentido.

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DJ Lycox is one of the most forward-thinking producers affiliated with the Portuguese Príncipe Discos, working with the sounds and rhythms of the loosely defined batida genre that draws on a variety of African dance styles. Last year’s Lycoxera EP saw him also embrace afrohouse more openly, but mainting the peculiar sound signature that marks both his vinyl releases on the label as well as the numerous tracks he regularly releases through his own channels: there’s a certain sonic rawness that is still melodic, a rhythmic complexity that relies heavily on the irresistible grooves that it is built upon. His mix for our Groove podcast is chock-full of tunes by Tia Maria Produções, his crew with B.boy, Danifox, Poco, and Puto Márcio, as well as some choice cuts from his own catalogue. It’s a wild 30-minute ride – a groove thang indeed, from start to finish.


How did you first get into music making and what did your first steps as a producer look like?

I started making music thanks to DJ Edifox who was the influence in my neighborhood in 2009, my sounds were strange and very loud but I still liked them because I was discovering a new world.

What does your preferred set-up look like these days, i.e. what programmes and/or hardware do you work with?

Currently Maschine is my favorite programme and piece of gear, being able to create my sounds nowadays with the Native gear has made my musical world easier, because when I have an idea in mind I can immediately extract it with the help of Maschine Jam and MK3. But FL Studio remains the love of my heart as well.

Your latest release for Príncipe, the Lycoxera EP, saw you work with a broad palette of styles and sounds, including afrohouse influences. How did the release come together and are there certain topics that informed it?

To be honest, my Lycoxera EP was all based on emotions and events lived in 2019, I spent a lot of time also discovering new sounds and that influenced it a lot.

What role does DJing play in your work?

The role as a DJ is very important in my work as a producer because sometimes I get stuck without being able to create a track and when I go to play, the next day I get a boost and a thousand ideas pop into my head because I felt the people vibrating with the music.

What was the idea behind your mix for our Groove podcast?

The idea was to make a mix with an inspiring Groove throughout to represent the name of the magazine.

Last but not least: What are your plans for the future?

My plans for the future I cannot reveal yet, but people will feel them through the projects that will be launched.

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DJ Narciso has fast become one of Lisbon’s foremost kuduro experimentalists. Both solo and in collaboration, the fledgling producer has joined the likes of Nídia and DJ Marfox as a leading proponent of the Príncipe sound, emerging as one of the collective’s youngest and most exciting voices.

Founding production crew RS Produções at the ripe age of 15, Bagdad Style showcased mutant batida and tarraxo in quintessential Príncipe fashion—a head-rush of hyperlocal sounds, indicative of the collective’s continuing vitality. Elsewhere, a link-up with South London producer Endgame delved deep into the darker recesses of futurist club abstraction.

An introspective cross-pollination of inner-city scenes, NXE brought probing cultural exchange to Shanghai label SVBKVLT. This mix, however, places focus back on his hometown with a blend of new and unreleased original material. Typically referred to as the “ghetto sound of Lisbon”, Narciso delivers 47 minutes of rugged Afro-diasporic innovation.

“I really liked doing this mix because when I did it my crew was with me, and that’s where inspiration comes from. In this mix I showed my current and more original productions, I feel that I am evolving with each work that I do. What I prefer to play the most are the 130 BPM tracks, and that’s what makes me feel more free in the parties where I play.” — DJ Narciso

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Texto: GG Albuquerque

Há séculos a presença negra em Portugal é mais notável do que na maioria dos países europeus. Ao passar por Lisboa em 1760, o poeta italiano Giuseppe Barreti não escondeu seu incômodo com a presença considerável de pessoas negras que “formigavam em todo canto” da cidade. Séculos depois, entre os anos 1960 e 1970, as guerras de independência e conflitos civis estimulados pelo colonialismo em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe detonaram mais uma onda de migração de africanos para Portugal. Autora do livro Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana, a historiadora Isabel Castro Henriques defende que a capital lusitana possui “uma história africana que certamente será a mais importante da Europa”.

Mas apesar de sua participação volumosa na sociedade, a comunidade negra (e o racismo contra ela) foi e continua sendo mascarada, varrida para debaixo do tapete. Nos dois últimos censos nacionais, por exemplo, o governo português não incluiu perguntas sobre identificação étnico-racial — ainda que uma comissão de especialistas tenha recomendado. Assim, não existe uma estatística sólida sobre a porcentagem da população afrodescendente no país.

Diante deste silenciamento da presença negra, nos últimos anos a música dos guetos de Lisboa vem ganhando força como um elemento que reconfigura a identidade nacional e também propõe uma reflexão sobre os movimentos contínuos da diáspora negra. DJ e produtor angolano-português, Nigga Fox mobiliza essas questões através do campo sonoro. “A nossa música tem força”, diz ele, um dos principais expoentes do Batida — cena eletrônica que congrega diversos gêneros de origem africana. Como a própria diáspora, sua música cruza fronteiras historicamente demarcadas, apropria-se e desmonta tradições culturais de diferentes continentes, guiando-se sempre pelos princípios do experimento e da imaginação radical. Um dos nomes mais inventivos do aclamado selo Príncipe Discos, ele se apresenta no Gop Tun Festival, no dia 2 de abril, em São Paulo.

Das fitas cassete ao Fruity Loops

Nigga Fox é Rogério Brandão, filho de congoleses que cresceram em Luanda, capital de Angola, onde Rogério nasceu em 1990. Aos quatro anos, mudou-se com sua família para Lisboa e se instalou na antiga freguesia de Ameixoeira, onde cresceu ouvindo músicas de sua terra natal.  “Meu pai tinha sempre fitas cassete de vídeo de artistas do Congo, como Pépé Kallé, Fally Ipupa, Papa Wemba, Koffi Olomide… Eu não entendia nada do que eles estavam dizendo, porque eles cantavam em lingala. Eu gostava da batida, da vibe, do instrumental, da dança. Foi a partir daí que comecei a sentir mais a música africana”, conta em entrevista por videochamada. Um pouco depois, por volta dos nove anos, ele tomou contato com o kuduro, a música eletrônica de batidas aceleradas e sincopadas que emergiu na Angola dos anos 1990, em meio à guerra civil no país. Os primos em Luanda enviavam a Nigga Fox fitas cassete com músicas de Rei Helder (então conhecido como o Rei do Kuduro), Maquina do Inferno e outros kuduristas. “Ouvíamos muito, todo dia. Começou daí a paixão pela música”, relembra.

Na adolescência, por volta dos 15 anos, Nigga Fox formou um grupo de dança com irmãos e amigos. “Tava muito na moda nos bairros, nas famílias formar grupos de dança para entreter as pessoas na escola, nas festas, nos aniversários. Apesar de eu não dançar muito, estava sempre presente”, contextualiza. Já sabendo que não iria muito longe na dança, ele passou para o lado da produção musical quando, aos 17 anos, o seu irmão lhe apresentou o Fruity Loops (também chamado de FL Studio): o mais popular programa de criação de beats. “No começo eu não entendia, ele foi me ensinando e conseguia tirar dali alguma coisa nova da música. Porque a música não tem regras. A música para mim é tipo uma cena de desabafo. É tipo um quadro, eu pinto o que quiser”.

A experiência como dançarino, ele diz, “ajudou a perceber como as pessoas vão reagir à música”. Essa sabedoria foi particularmente importante devido ao ambiente no qual essa música — uma mistura de elementos do kuduro, funaná, tarraxinha, kizomba e muitos outros gêneros musicais oriundos da África — estava situada. “Circulava só nas periferias. Porque fazíamos músicas para os grupos de dança, e eles estavam na periferia. Quase nunca chegava na cidade. A única maneira do pessoal ouvir a nossa batida era através dos dançarinos do gueto”.

Apesar da dança ser o foco, é neste momento que uma rede de DJs e produtores vai sendo formada, conectando artistas dos guetos de toda Lisboa. “O DJ Nervoso foi um dos primeiros produtores do gueto, por volta de 2004 acho. Ele foi inspiração para mim e muitos outros. Então os DJs foram entrando em contato. Eu enviava a minha música para o Maboku no Bairro do Pendão, que enviava para o Firmeza na Quinta do Mocho, que enviava para o Lylocox lá no Cacém. E no Cacém como tem muita criança fazendo música inspirou outros”.

Todos esses artistas mencionados por Nigga Fox foram reunidos na Príncipe Discos, selo que surgiu em 2011 a partir do encontro do DJ Marfox com produtores de eventos e músicos de fora do gueto. “O pessoal da Príncipe perguntava: que música é essa? Isto tem que ser lançado. Quem são esses artistas? Foi assim que começaram a recrutar jovens do gueto para tentar levar a nossa música ao mundo”, explica. A Príncipe ajudou a organizar uma identidade visual em torno desse movimento, soube fisgar a atenção da imprensa mundial e vender o peixe para o circuito de festivais de música eletrônica pelo mundo. Pouco depois de lançar seu disco de estreia Meu Estilo, em 2013, Nigga Fox já estava em destaque em publicações como Pitchfork e Resident Advisor, além de figurar na playlist de Thom Yorke com a faixa “Weed e ter sido escalado para o renomado festival de música experimental Unsound, na Polônia. “A nossa música evoluiu bastante mundialmente com a Príncipe. E com os Buraka Som Sistema, que levaram nossa música africana para outras etnias e palcos fora de Portugal, pela Europa, Ásia e América”, avalia.

É neste momento que a cena recebe o nome genérico de “batida”, muito utilizado pela crítica e referendado também no documentário Batida de Lisboa (2019) — mas vale notar que o termo não descreve um gênero musical propriamente, mas se refere a uma amplitude muito vasta e heterogênea de estilos.

Apesar das conquistas dos músicos do Batida, as barreiras do racismo e da xenofobia permanecem em solo lusitano. Um relatório da Casa do Brasil em Lisboa dá uma dimensão dessa realidade: 86% dos imigrantes relatam ter sofrido preconceito em Portugal, sendo associados a estereótipos de prostituição e criminalidade. Nigga Fox — assim como outros DJs da cena — observa que existe uma dificuldade maior para fazer sua arte circular em Portugal do que em outros países. “Eu tenho mais datas fora de Portugal, infelizmente. Eu sei que na Itália eles consomem minha música e todos anos sei que terei uma ou duas datas lá. Hoje estou aqui em Nova York… Os portugueses ainda estão a se adaptar, ainda estão a sair da bolha deles, tentando perceber que música é essa. Portugal só está começando a nos dar valor porque estamos indo tocar fora. Em Portugal ainda estão  tentando perceber que música é essa, mas estão percebendo aos poucos. Têm que perceber, por bem ou mal. A música fala alto. A nossa música tem força. Só que está a ser uma batalha duradoura”, analisa.

Ainda assim, ele prefere focar nos avanços. “Durante muito tempo essa música ficava só nos bairros e fora dele nem ligavam, diziam que era música de bandido. Era só house nas discotecas. Agora não. Hoje em dia eu vou na [boate] Lux e escuto a música do Danifox tocando. E também passamos na rádio!”

“Não sou muito bom de falar; confio nos meus ouvidos”

O primeiro lançamento da Príncipe Discos foi o EP de estreia de DJ Marfox, em 2011. Misturando kuduro, funk e tarraxinha, o título trazia uma afirmação contundente e cheia de personalidade: Eu Sei Quem Sou. Filho de africanos da ilha de São Tomé e Príncipe, Marfox usava a música como forma de construir sua identidade. “Não foi à toa esse título”, me disse Marfox numa entrevista em 2018. “Naquela época e até hoje eu sei quem sou. Mas há muitos jovens que, como eu, nasceram em Lisboa, mas nem são caboverdeanos ou africanos (porque as pessoas de Cabo Verde ou qualquer outro país dizem que não são) e nem são portugueses (porque dizem: “Ele é preto, não é português”). Então a pessoa vive um pouco no limbo, desnorteado. E essa música veio trazer certa identidade a essas e outras pessoas que não se identificavam com nada”.

A estreia em disco de Nigga Fox também carregava uma afirmação semelhante: Meu Estilo. A ideia de um estilo único que o título aciona, porém, não tem tanto a ver com um “inedistmo”, nem com uma qualidade que o faria superior aos outros. Examinando bem, o estilo de Nigga Fox (assim como o ser de Marfox) sublinham a música como uma forma pessoal e íntima de tatear o seu lugar no mundo, uma investigação de si próprio, uma reflexão sobre a dupla consciência (um imigrante negro vivendo no centro da metrópole colonial). E o mais importante: o som como arma para desmoronar a subordinação que lhe foi imposta, abrindo frestas para imaginar um mundo de liberdade que lhe foi negado. Uma música inventar outro panorama, especular possibilidades de existências para além dos estereótipos coloniais, da violência, da dor e das cicatrizes.

Desde cedo, Nigga Fox buscou construir uma música que se desvia de rótulos folclorizantes e das expectativas que o circuito da música eletrônica global gera sobre a cultura da diáspora africana. “No início pensava muito nisso de uma cena africana. Mas depois houve uma altura em que eu pensei: ‘Para, já há muita música africana igual, que toda gente toca, toda gente faz. Muita gente fazia um Afrohouse e esse Afrohouse estava batendo, dando certo. O rapaz que faz Hip Hop vai querer fazer Afrohouse porque é o que estava batendo. Comigo não foi assim. Eu vejo muita gente fazendo afrohouse, então por que não mudar para fazer uma cena diferente? Eu gosto de fazer muitas experiências na minha produção. Pegar um bocado da raiz africana e tentar fazer uma cena futura, que não é fácil. Ela precisa de muita imaginação, de muita imaginação mesmo”.

Nigga Fox é mesmo um dos artistas mais empenhados em elaborar novos caminhos nesse âmbito da música afroeletrônica. O caso mais notório é o álbum 15 Barras, uma suíte de 15 minutos com abordagem atmosférica. A faixa começa com pulsos de baixos oriundos do acid house e vozes distorcidas e picotadas. Os beats matadores do kuduro ou afrohouse nunca entram, e a música vai se dissolvendo em seu próprio espiral, tornando-se incenso — apenas uma evocação daquilo que ela fora anteriormente. Outra faixa que também foi pensada “para viajar” (e não para a pista) foi “Cinco Violinos”. Incluída na rádio do produtor Joy Orbison do game GTA 5, a música se arrasta com duas vozes distorcidas em direções opostas (uma com pitch negativo, outra positivo) que pintam uma aura extraterreste e sinistra, como as realidades sobrenaturais de David Lynch. Mas o ímpeto exploratório continua presente também nas faixas concebidas para pista, como ouvimos em Música da Terra, seu novo álbum, que adiciona novas texturas sonoras ao seu mix. “Madeso” é uma cascata de beats sincopados em meio a uma névoa eletrizante de sintetizadores glitch. Já “Gás Natural”, emulando o som de socos de games de luta, abre-se para um delicado interlúdio minimalista, enquanto “Sasuke” soa como uma meditação futurista.

O som é a forma máxima de pensamento para Nigga Fox. Quando o questiono sobre as conexões entre o baile funk, o kuduro, footwork e outros gêneros de música eletrônica da diáspora, ele discorre sobre a proximidade dos BPMs — em vez de arriscar teorias sobre afinidades culturais e sociais, como faria a maioria. “Não sou muito bom de falar, não gosto de dar entrevistas”, diz, desculpando-se. Mas não é o caso de não saber falar, é que o sonoro é a via por onde ele pensa e exprime suas ideias. “Confio nos meus ouvidos — isso é muito importante”, enfatiza.

A conexão íntima com o som trouxe algumas especificidades ao trabalho de Nigga Fox. Uma delas é sua atenção às melodias, que servem para não deixar a música “seca”, como ele diz. Mas também servem para instaurar um mistério, sugerindo uma escuta mais aberta — assim como os pintores impressionistas sugerem formas e objetos com imagens mais difusas. “Eu posso fazer uma música só com melodia que tu vais sentar, viajar e imaginar o beat na tua cabeça”, propõe. Outra característica do DJ é o uso de muitas camadas de som, sempre jogando o ouvinte para novos rumos durante a track. “Para mim o beat não pode ser igual”, sentencia. “Se tiver um minuto igual, quero fazer uma quebra, eu tenho que mexer. Tem que ter muita informação no beat. O techno, por exemplo, é muito repetitivo. Eu não vou fazer uma coisa assim, eu também sou público e me canso de ouvir o puf, puf, puf”. Por isso as músicas de Nigga Fox possuem elementos entrando e saindo de cena, sempre alternando o foco. “De cinco em cinco segundos eu adiciono alguma coisa — a melodia pode continuar ou mudar, mas coloco uma voz, um outro instrumento”, explica.

Nove anos depois da estreia com Meu Estilo, Nigga Fox lançou seis discos que consolidaram uma assinatura musical mutante e inclassificável, um movimento incessante que recusa a captura e estabilidade dos rótulos predefinidos de gêneros musicais. O som e o estilo tornaram-se extensão de si próprio. “Ainda estou tentando descobrir a minha identidade. Eu ainda não me encontrei. Estou apalpando o terreno e sinto que ainda posso trazer mais coisas novas, desbloquear mentes”.

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Texto: Alexandre Ribeiro
Fotografia: Renato Miranda Chorão

Em Dezembro, assinalando o seu 10º aniversário, a Príncipe Discos celebrava na NTS com uma emissão de seis horas divididas por 12 mixes de diferentes artistas do seu elenco. De DJ Marfox a Nídia, passando por DJ Nigga FoxDJ Lycox ou DJ Firmeza, todos os escolhidos já tinham editado pelo selo lisboeta, excepto uma nova cara que aparecia sem aviso prévio e com uma proposta particularmente diferente dos seus companheiros.

XEXA, o nome artístico da jovem produtora que actualmente divide o seu tempo entre Portugal e Inglaterra, era a wild card nessa celebração, trazendo uma abordagem completamente diferente daquilo que conhecemos da editora — dificilmente encontrarão algo semelhante a este seu afrofuturismo que, até aqui, se aproxima mais do ambient do que das musculadas e cerebrais batidas dos seus colegas. Neste caso, TristanyAriyouk e Suzana Francês (que conhece dos tempos do ensino secundário), e aquilo que têm construído juntos no projecto do primeiro, estarão bem mais perto em termos de frequências musicais.

Antes de uma apresentação na Galeria Zé dos Bois — e estivemos por lá — e uma estreia na passerelle da Moda Lisboa (desfilou e fez a banda sonora — disponibilizada esta terça-feira no Bandcamp — para a nova colecção de Ivan Hunga Garcia), a artista sentou-se connosco nas DAMAS para uma conversa em que abordou praticamente tudo o que foi relevante para chegar a este momento da sua ainda imberbe carreira. Na mesma sala onde falávamos, cartazes com a frase “Os Cânones Existem Para Serem Libertados” não poderiam ser mais adequados — fiquem com isso na mente para o que se segue.

[As origens e a formação inicial]

“Nasci em Lisboa, mas cresci na Quinta do Mocho. Fiquei lá até aos 9/10 anos e depois fui para Alhandra. Os meus pais são santomenses, eles emigraram nos anos 90 e ficámos lá no Mocho, em casas sociais, durante uns 10 anos e depois, como quiseram ter uma deles, foram para Vila Franca de Xira. 

Fiz piano no Conservatório Regional Silva Marques, em Alhandra. Foi dos 9 aos 15 anos. Fiz o básico. Só não fiz o profissional porque não curto muito… gosto de música clássica mas fazer isso a vida toda não. A música clássica ainda tem muitas normas que foram estabelecidas há anos e que se perpetuam e em que mudam apenas os compositores. Mas a forma de tocar música clássica é pretty much the same. Desenvolves a tua qualidade como instrumentista, mas não estás a criar outra coisa nova. Não é muito criativo, pelo contrário. Jazz é muito mais criativo que música clássica e mesmo assim não é muito. 

Quando cheguei aos 15 e estava em Alhandra, tinha vontade de começar uma cena nova, já tinha feito a música e estava encravada –e aqui em Portugal só te perguntam o que queres fazer com 15 anos. 

Depois fui para a [Escola Artística] Antóno Arroio. Apeteceu-me fazer uma coisa nova, então fui para lá. Estudei Ourivesaria. Fiquei lá três anos a estudar. Quando nós vamos para o 10º ano é tipo misto, experimentas tudo e depois escolhes uma no 11º e eu escolhi Ourivesaria. Eu gosto da cena dos details e de todo o esforço que tu pões para uma cena tão pequena. Acho que é das artes mais físicas, de certa forma, no entanto é uma coisa super pequena. Eu ficava horas a trabalhar em peças que depois olhava e era uma peça de joalharia mínima. 

Há a beleza e a cena do valor. O facto de ancestralmente a peça de joalharia passar de família para família, todo o valor sentimental que tu consegues ter numa coisa tão pequenina.

Eu estava farta de arte visual. Eu saí da conservatório porque estava rodeada de música e queria algo mais. Fui para a António Arroio e estava rodeada de artes visuais. Depois a ver as pessoas do meu grupo a fazerem cenas de música. Por exemplo, o Tristany ia para a minha escola, o Ari[youok] estudava na minha escola. E ouvi-los a fazerem rap battles dava-me vontade de jump in, só que não sabia como. A Suzana Francês também. Ela não andava lá mas tínhamos muitos amigos em comum. Parecia que andava lá.

Mais tarde, o MEIA RIBA KALXA deu-me muita paz para fazer também a minha cena. Não tentes descobrir logo. Eu tinha uma pressão de saber o que queria logo produzir.”

[A sorte que se constrói na hora de escolher o que iria fazer depois da António Arroio]

“Atirei a moeda ao ar. Literalmente. Cara para Portugal, Coroa para Inglaterra. E nem era Inglaterra. Eu pesquisei na net onde era as melhores escolas de música na Europa. No kidding. E apareceu a escola em que eu estou, a Guildhall [School of Music & Drama], e depois apareceu outra na Holanda. Eu queria algo que me ensinasse o máximo de cenas possível num curto espaço de tempo, e não uma escola para o qual fosse e que seria focada em pop music ou em certos géneros. Eu queria aprender música, e não um género de música. Ainda sinto que [isso] é uma limitação e eu sentia que ia condicionar-me. Que eu ia fazer aquilo porque estudei aquilo. 

Então, atirei a moeda ao ar. Nem me lembro muito bem o que é que calhou, mas acho que não calhou o que eu queria. É assim que eu sei que é a outra. Não tens a obrigatoriedade de seguir a cena da moeda. Pensas sempre que estás na dúvidas, mas na verdade tens sempre um que é 51% e outro é 49%. Quando eu tirei fiquei decepcionada, então fui para a Guildhall. Fiz a audição. É um conservatório de música. Quatro anos. Tens o departamento de música clássica, jazz e música electrónica. Eu estou a fazer Sonic Arts, estou no terceiro ano — e são quatro. O primeiro ano tens mais aulas clássicas mas também é para te encontrares no padrão de música electrónica. E quando eu te digo música electrónica não é o género de música electrónica. Música electrónica é tudo o que é feito agora. 

Eu fiz um gap year para ganhar dinheiro antes de ir para Inglaterra. Foi tudo independentzero support. Quer dizer, a Ok Estudante. Quando eu me manquei que queria ir para essa escola, tinha tipo duas semanas para fazer tudo. Então apliquei-me por eles, mas fiz tudo sozinha. E fazia música há um ano.”

[A entrada na produção musical, a definição daquilo que cria e a importância da escola]

“Produção comecei a fazer no FL [Studio]. No final da Arroio, durante o gap, fiz um bocadinho de música. Era mesmo sintetizadores. É parecido com o que eu faço agora… não é parecido, mas tem a ver. Entendo aquilo que eu faço agora porque quando comecei era uma coisa muita estranha. Só comecei a entender as minhas tracks com o Calendário Sonoro. Não estou a gozar. Foi final de 2018, entrei na escola em 2019. Comecei a experimentar com coisas mas tracks muito pequenas e sempre nada rítmico, só comecei a usar ritmo no ano passado. Só sintetizadores, digital synths

Só que eu não sentia que ambient identificava. Só no Verão do ano passado é que eu vi que era afrofuturismo. Faz sentido. Pelo menos a pesquisa que eu estou a fazer agora tem toda a cena da cultura africana, da revolução colonial dos anos 50, 60, 70 e de nós à procura de algo mais… da nossa voz e identidade. Sem os estigmas, mas com a cultura. 

Pelo menos o que eu sei do afrofuturismo dos anos 60, 70, do Sun Ra, tinha também muito a ver com o cerne e as bases fundamentais da libertação da cultura africana. Ele via-nos no futuro. Durante séculos, principalmente nos Estados Unidos [da América], a comunidade africana não tinha futuro. Portanto, eu acho que entendo essa cena do afrofuturismo por parte dele.

Afrofuturismo para mim, agora, tem mais a ver com… o afro tem a parte da cultura, o tradicional, e o que é que eu oiço para transformar e depois o futuro é a tecnologia que nós temos e como é que nós fazemos desenvolver a cultura africana [com isso]. A música africana é… o que nós conhecemos tradicional, folclore, é 80% wood percussion. Tu tens aquela ideia do que é que é a música africana como algo que está fixo. Eu acho que estamos a desenvolver isso. Antigamente não tínhamos as tools. Por exemplo, tu vais para Inglaterra e tens muitos registos de música inglesa dos anos 20, 30, 40, 50, porque eles tinham tools para fazer isto. E não tens tanto registo da cultura africana… por exemplo, São Tomé só ganhou a independência na década 70. Os meus pais nasceram ainda colonizados. Sou a primeira da minha família que nasceu com liberdade. É super recente.

Eu digo que sou afrofuturismo porque sinto que este género se relaciona mais comigo do que o ambient. E afrofuturismo ainda é um umbrella muito grande. Já me perguntaram qual era o nome do meu género. Entendo que seja eu a baptizá-lo, mas também curtia que baptizassem, que a percepção das pessoas chegasse porque ainda é super subjectivo para mim. Eu digo agora que é som da XEXA. É o som da XEXA porque eu lembro-me que quando eu comecei a produzir o motivo para eu querer ser produtora é que eu queria fazer um som que as pessoas ouvissem e dissessem: é a XEXA. É tipo Ferrero Rocher. Tu sabes porque tem aquela receita.

Tanto o motivo e as técnicas que eu uso de produção tem de ser o mais minha possível e não tradicional. Eu misturo a minha música de uma forma muito… não vou dizer orgânica, mas a pensar sempre nos elementos todos como pensava em ourivesaria. Penso muito nos detalhes, por isso é que gosto de sound design. Dá para teres um controlo sonoro da matéria-prima e da onda sonora. Por exemplo, aprendemos a fazer som com o vento na Guildhall. Era um audio file do vento e consegui fazer um drumkit através do shape da onda sonora. Nós temos o privilégio de termos a tecnologia para desenvolver a música de formas que antes não conseguias.

As pessoas perguntam-me se vale a pena estudar música. Se me perguntam se vale a pena, não estudem. No momento em que estás à procura dos contras para não avançares, quer dizer que vais chegar lá… vais chegar numa escola, estás rodeada de pessoas que querem fazer música para a vida, vais-te sentir intimidado, desmotivado ou vais sentir que não vale a pena. O motivo para eu ter ido para a academy a nível de música é porque é o único sítio onde não só aprendes muito em pouco espaço de tempo, se quiseres, como atiram-te cenas de que tu não estás à espera. A cena de ser auto-didacta para mim é que depois eu… e eu notei muito isso quando fui para a Arroio. Eu antes de entrar na Arroio fiquei o Verão a experimentar com tintas. E depois usava guache, o tubo é pequenino. Usava guache, pintava e os desenhos partiam-se. Secavam e partiam. Cheguei na escola e a stora disse que o guache usa-se com água. É bom estares à procura por ti mesmo, e na universidade atiram-te cenas, mas tu é que tens de procurar. No primeiro ano eu fiz programming pré-sonoro e aí introduziram-me deep listeningPauline OliverosÉliane Radigue. E eu gostei muito e mudou a forma como ouço música. A produção foi algo que fui desenvolvendo, a forma como oiço a música e o que é que eu procuro numa track [é que mudou].

Eu lembro-me de ter lido um livro no início da faculdade, e eu fui contra essa definição, que a música move duas cenas: o teu corpo ou a tua memória. E que a música africana (ou de POC) tem muita tendência para mover o o teu corpo e há certas músicas mais calmas que te identificas mentalmente que mexem mais com as tuas emoções e trazem mais memórias. E eu sinto muito que sou uma junção dessas. É o que eu tento fazer com a minha música, que mexa com as duas coisas, que mexa com a tua memória, com a tua emoção e com o teu estado de espírito, mas que também mexa com o teu corpo.”

 

[A criação de Calendário Sonoro 2021, a sua primeira mixtape]

“O Calendário Sonoro fiz tudo sozinha, ninguém misturou por mim nem produziu nem nada. Foi tudo eu. Queria mesmo ter um corpo de trabalho todo meu em que fosse tudo feito por mim. E que eu pudesse mudá-lo. Não é uma coisa fixa. E ter essa obrigatoriedade de produzir… Eu produzo mas o tempo que eu tenho tido lá em Londres tenho produzido muito mais para outros artistas, para outros projectos, filme… essas coisas. E eu queria, para além do trabalho da escola e todas essas comissions que eu estou a ter, ter tempo para fazer a minha música. Então, fiz o Calendário Sonoro, 12 tracks, 12 meses, 12 luas. Como é menos de um mês, e as fases de luas cheias, nem dá para falhar. Dá para falhar, mas mesmo quando eu me esquecia que eu tinha de fazer a track do próximo mês dava por mim a olhar para o céu e já vejo que a lua está tipo a metade. Dá aquele push. E eu queria brincar com a criatividade também. Outras formas de abrir o software. Acabo sempre por ter o conceito que é o mês, que é a experiência, é o que eu vivo, e é o que se está a passar à minha volta naqueles mês.

A ideia do Calendário Sonoro apareceu mesmo no dia 1 de Janeiro de 2021. Estávamos a ter um gathering, estava com umas amigas minhas a celebrar o ano novo, grupo pequeno, e estivemos a cantar e uma amiga minha é que na altura disse-me que seria minha manager se eu lançasse música. Ela disse, ‘tens de fazer mais releases‘. E eu fiquei, ‘releases?’. E ela, ‘sim, tens de lançar mais músicas e depois eu sou tua manager‘. E como ela disse ‘release‘, não sei se é por já estar em Inglaterra há algum tempo, em vez de entender release tracks, tipo partilhá-las, soou a letting go. E eu fiquei a pensar, ‘estou a produzir há dois anos, e estou no segundo ano da escola, e estou a fazer uma carrada de tracks que estão só a ocupar espaço no PC’. Não é preconceito, mas tens todos esses conceitos de qualidade de som, o proper mix, as frequencieslevels e não sei quê, e se não for interessante para ti não é boa música. Enquanto a arte [visual] pode ser boa ou má para ti, mas ainda ganha por si só e pelo esboço. [No entanto] tu desqualificas logo a música. E eu fiquei, ‘pá, não vou deixar ficar com preconceitos de outras pessoas, então vou só lançar’.

Então, o conceito de produção era literalmente analisar as emoções que eu vivi no último mês e tentar apresentar isso de forma sonora. Tentei sempre que cada música fosse um bocado diferente. No início pensava quem iam ser todas diferentes, mas o Calendário Sonoro ajudou-me a poder entender o meu estilo porque, depois de quatro tracks, olhei e fiquei, ‘há uma coisa em comum’. Há muito synth, e a forma como eu toco os synths, o sustain.

track de Janeiro estava em quarentena em casa porque foi na altura em que havia muito COVID na tuga; a track de Fevereiro eu fi-la em memória ao meu primo que faleceu e o ‘Nha Dêde’ significa ‘minha querida’ em crioulo santomense e digo isso a track para ver se ele ouve; a track de Março foi o meu amigo André Andrade (o Lisboeta Italiano), então fi-la em homenagem a ele e acho que a track ajudou-me a healing. É um mindspace que é muito específico. É ir tocando e ir apanhando a vibe. Se bem que difere. 

Eu edito mais os synths before. Eu acho que é muito importante teres um synth com atitude no momento em que estás a tocá-lo e não uma cena que tu transformas a seguir. Então, no sound design, eu tento que os meus synths falem por mim, ou que já tenham aquela emoção que eu quero ter sem ter que pôr reverbs. 

A de Maio tentei fazer uma cena completamente diferente. Eu não conseguia fazer aquela track de novo se me pedissem. Não pára. É só sintetizadores e ritmo e um 808 ali a dançarem. E sinto que a partir de metade do ano comecei a desenvolver. A track já não é uma cena que eu estou a sentir e faço. Cheguei ali a Julho e fiz a track em duas horas, literalmente, porque tinha-me esquecido [risos], tinha outras comissions na altura, estava com muitos projectos, então cheguei e era lua cheia no dia seguinte e eu lembro-me: meia-noite e tal comecei a fazer, três horas já estava a exportar. Quando eu pus a track na net, [só] dois dias depois [é que] reparei que o synth parou a meio. No final ela não tem mais synth, é só ritmo. Dá uma vibe nice. Não tinha reparado. Estava cansada, depois do trabalho fiz aquilo. E parou bem, mas não repeti o segmento e é por isso que ela parece mais vazia. Na boa [risos]. 

As de Agosto e de Setembro tentei fazer um take de algum género que já existia. A de Agosto tentei que o sintetizador dançasse mesmo, que fosse mesmo… disseram-me que parece um tarraxo estranho, não é um tarraxo, mas é uma cena que dá para dançar. E depois a ‘Quantized Feelings’ tentei fazer um bocadinho com a vibe do dancehall no sintetizador.”

 

[A Príncipe Discos e a Filho Único entram no chat: o convite, o primeiro concerto e o encaixe na equipa]

“Eu estou com eles desde Outubro. O convite foi feito pela net. A net é fantástica. O Nelson [Gomes] falou comigo em Outubro, quando eu vim para a Fashion Week. Estava na praia, estava nublado, era só eu e uma amiga minha, mais ninguém quis vir porque estava frio. E eu, ‘desculpem, vim de Inglaterra para isto?’ Eu tinha acabado de fazer a Fashion Week da outra season, Spring Summer, fazer a música para o Sangue Novo, e estava na praia e o Nelson enviou-me mensagem a dizer que tinha visto a minha música e queria falar comigo. E aparentemente ele já tinha ouvido a minha música há meses. Alguém da Filho Único enviou, ele viu, estava a acompanhar e depois só deu-me o toque. 

Eu conhecia todos os artistas da Príncipe, não conhecia a editora. Não todos, mas os que estiveram na NTS, por exemplo, [já conhecia]. Porque uns são do Mocho e lá tocam muito essa música. A minha infância… eu tenho 21 anos. As músicas que eu me lembro de memória de ouvir… eu lembro-me que foi a partir dos 9 anos que eu comecei a ter memórias de músicas, que era o meu irmão a ouvir Tupac… era 2009, estava em casa e dava o ‘Single Ladies’ da Beyoncé. Foi aí que eu comecei a guardar música. 

Eu conheço muito dos artistas da Príncipe e da música deles, e estou sempre a ouvi-la, já estava antes de estar com eles. É ganda inspiração, pelo menos para o que eu faço, como abordo certas músicas em que eu quero fazer uma variação africana, tipo tarraxo com sintetizadores. Oiço muita música africana e esses ritmos africanos para poder ter a energia do ritmo, tentar encontrar o padrão da energia para poder tipo fazer a wave no sound design

Eu tive que ver o que é que é Príncipe na net e depois fiquei oh my god. Eu conhecia a Nídia. Eu conhecia os artistas, mas eu lembro-me de ter conhecido a Nídia no início do ano passado e eu fiquei, ‘uau, eu pensava mesmo que não havia artistas femininas produtoras a produzir esse género de música super’. Deu-me ganda inspiração. É uma raridade. O Nelson disse-me que na Príncipe era ela só. Agora somos nós as duas. É muito importante. A sociedade reage muito ao que vê. Venham mais. 

[Como é que me encaixo nisso] é uma pergunta que eu ainda faço. Eu acho a cena que eu tenho em comum com as pessoas da Príncipe, para além de fazermos todos música africana, é que estamos todos a desenvolver música africana. Não africana de África, mas somos todos pessoas que estão a desenvolver géneros africanos de música. [Essa é] a única coisa que eu sinto que temos em comum. A nível de melodia… também usam muitos sintetizadores. Eu pensava que não, mas agora tive a ouvir e também usam muitos sintetizadores… e a forma criativa de usar harmonia como ritmo. 

Felizmente estou com a Filho Único-Príncipe, e eles são muito fixes. Quando convidaram para ir para a Príncipe, eles convidaram também para tocar na SMUP. Foi o meu primeiro concerto ao vivo. O pessoal gostou. Sei tocar ao vivo piano clássico, mas a cena toda de cantar, tocar e backing track by myself era outra coisa. Tenho tipo DJ set, depois tenho três mics, agora estou a usar um interface que tem tipo mais pads e tenho percussão. Canto, toco a percussão e depois tenho as tracks sem certos elementos que faço ao vivo.

Eu quero fazer o meu primeiro álbum da XEXA. Mas antes tenho muitas músicas, então estamos a ver as que tenho de 2021 e estamos a trabalhá-las para sair este ano ainda. Quando eles mandaram-me o e-mail, ‘olha, temos aqui esta mix com a NTS, meia hora cada um’. E eu fiquei, ‘das 12 pessoas, eu sou uma delas?’ Quando eles mandaram o e-mail eu estava com eles há um mês, então foi muito fresh, e eu gosto desse entusiasmo.

Eu sabia que ia fazer essa cena da música, com ou sem label. Como artista é muito difícil as pessoas verem o teu valor. Ou o valor da tua arte como tu vês. Então, tu bates à porta e tu dizes que é fantástico e eles vão dizer ‘não para nós. Tenta amanhã. Tenta mais tarde’. Em tudo, música, acting, etc. Eu tenho essa cena de, eventualmente, sozinha ou acompanhada, se eu desenvolver-me ao ponto de me tornar um dragão, alguém vai reparar. Chega a um momento em que tens tanta luz que as pessoas vão ver. ‘De onde é que esta luz está a vir?’

Ainda estou a acabar a escola. Tenho de acabar a escola. E não é este ano, ainda falta mais um. Se me tivessem dito que quando eu comecei a fazer a cena de música na escola — e eles projectam muito para essas coisas de labels depois da faculdade. Não nos preparam para quando é a meio da escola.” 

[O que a inspira actualmente e os serviços de streaming]

“Procuro espaços mentais diferentes, então a nível de inspirações é a música africana, música brasileira também. Gosto de ver o que é que as pessoas estão a fazer — e agora estamos num neo-tradicionalismo muito forte. Sons of KemetBaianaSystemSamuel OrganDinamarca. Eu gosto de música latina. Gosto do beat e da forma como eles produzem o dancehall e o reggaeton. Não vou dizer o reggaeton comercial, mas reggaeton mais trashy. Adoro. Sem muitos efeitos, adoro. Arca também. SOPHIEDeep Listening, o álbum da Pauline Oliveros, Stuart Dempster. As tracks de uma hora da Éliane Radigue. Também gosto muito do Arthur Russell. Essa vibe assim. Toda a parte que eu me identifico mais com a minha cultura é mais a minha pesquisa.

Tem muito a ver também com o algoritmo da Internet. Agora que tenho o Spotify consigo ver mais artistas. Se bem que só agora há uns dois meses é que arranjei Spotify porque nunca fui muito de streaming. Como o Calendário Sonoro é todo no SoundCloud e no Bandcamp, só pus no Spotify no final porque me pediram. Só que eu gosto de ter no Bandcamp e no SoundCloud. Sinto que o Bandcamp dá mais valor à arte toda que eu fiz do que o Spotify. Gosto mais da estética do Bandcamp. Eu tenho sinestesia, por isso a cover de cada música tem muito a ver com o que eu vejo e com o que eu quero que as pessoas sintam. A imagem visual no mundo real que faz a ligação entre os três: eu, a música e a pessoa.” 

[As dificuldades que ainda existem para uma mulher enquanto produtora se afirmar num ambiente de estúdio]

“Eu só venho para Portugal trabalhar. Eu venho cá com os dias sempre contados. O pessoal tenta fazer cenas comigo, já fui muitas vezes a estúdio e eu queria ter o som que eu queria e o produtor não conseguia. Agora sou eu que produzo. Ou então ainda há muito aquele estigma da produtora feminina não produz, ela está no estúdio [por isso] vai cantar, vai dançar ou é dama de alguém e não nos dão a validade ou duvidam da capacidade das mulheres produtoras. 

Acontece mais aqui do que lá fora. Já tive conversas com artistas ingleses que me disseram, ‘o que é que fazes?’, e eu digo, ‘sou produtora e cantora’. ‘Então cantas’. E eu, ‘cantora e produtora’. ‘Então vais cantar essa música para nós’. ‘Desculpa? Não’. Ele não estava a querer acreditar que eu tinha qualidade. Os meus amigos disseram a mesma coisa, mas como eram homens já produziam. E eu não.

E aqui também… tive com uma pessoa que estava a duvidar que eu produzia. Virou-se para mim na semana passada e disse, ‘então diz-me o que é uma master?’, e eu disse, ‘vai ao Google’. E depois no dia seguinte pediu desculpa. Ainda há muito essa cena aqui. Querem que vás no estúdio e depois não se focam na música, focam-se noutras cenas. E eu, ‘então vou embora, estou aqui para trabalhar’. E essa é das maiores drives para eu estar lá a fazer música.

Aposto que há muitas raparigas que tentaram fazer música e que desistiram devido mesmo a obstáculos que te fazem duvidar. Porque eu duvidei de mim mesma. Quando o gajo disse, ‘então ela é cantora’. E eu quase lhe disse, ‘mano, as minhas ondas sonoras davam-te porrada’. Mas não vou dizer isso. Eu tenho um mindset quando eu produzo e eu quero produzir para pessoas. E vou. Já estou a produzir em Londres, mas sei que quando eu acabar a escola e voltar [para Portugal] quero produzir para pessoal. E quero que as pessoas levem a sério. Que quando estamos no estúdio é para produzir e não é para tu levares [para outro lado] porque é uma rapariga que é bonita ou porque cai no estereótipo de beleza de 2022. Foca-te na música. Isso é um motivo para muitas mulheres não produzirem: não querem estar nesses ambientes de estúdio.”

[Metamorfa]

“[A banda sonora] é o reflexo do conceito do desfile dele [Ivan Hunga Garcia], que é o desenvolvimento da espécie humana e transforma-se de algo mais orgânico para algo mais sintético. Não vou dizer que é a minha favorita, mas gostei muito de produzir esta track. Depois do Calendário Sonoro estou a desenvolver para outra coisa. Não vou dizer tracks mais longas, mas tive umas vibes de fazer tracks mais longas em Janeiro, de 8/10 minutos para ver o que é que cresce. É tipo field recording mas é para criar um soundscape. Não é como as músicas do Calendário Sonoro que acontecem. Tu ouves a música e já está a acontecer. 

Anteriormente a fazê-la tive a pesquisar: antes de fazer certas tracks que eu sinto que quero que sejam algo mais, faço sempre umas três ou quatro tracks de pesquisa, então antes dessa track tenho outras três tracks de 10 minutos. Para perceber o mindset que eu estou à procura na track, e o que fica bem também, porque eu não tenho um BPM nas minhas músicas.” 

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Texto: GG Albuquerque

Nos anos 1970, Portugal foi o principal destino dos africanos que buscavam fugir das guerras de independência e/ou conflitos civis em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Essa população negra africana foi empurrada para as periferias dos centros urbanos — como mostram os aclamados filmes Cavalo Dinheiro (2014) e Vitalina Varela (2019), do cineasta Pedro Costa — e sofreu com o racismo da sociedade portuguesa, que ainda hoje continua preconceituosa e fechada a imigrantes. Uma pesquisa da Casa do Brasil de Lisboa publicado em 2020, 86% dos imigrantes em Portugal dizem ter sofrido preconceito no país europeu.

Apesar dos estigmas e da violência, as comunidades africanas não só mantiveram seu legado musical na terra do fado como o atualizaram em sintonia com as novidades que surgiam no continente africano. O kuduro, por exemplo, só surgiu no fim dos anos 1980, mas os beats e os passos de dança desse novo movimento cultural da Angola logo se disseminaram pelas periferias de Lisboa. Todo esse caldeirão musical — que inclui ainda o romantismo da Kizomba, o tradicional Funaná, e os temperos caribenhos do Zouk, entre muitos outros — formou uma nova geração de DJs e produtores eletrônicos de origem africana que vem se destacando nos últimos 10 anos e transformando a identidade musical de Lisboa e de Portugul, de modo geral.

Embora não represente um gênero musical definido, esse grupo de artistas ganhou notoriedade com o nome Batida — termo usado em reportagens de PitchforkResident Advisor e até em um documentário, chamado Batida de Lisboa (2019). E um dos principais canais de difusão dessa música para o mundo é a Príncipe Discos, selo fundado em 2011 que tinha como proposta lançar a música dos guetos da capital portuguesa. Desde então, mais de 10 anos se passaram e o Batida vem conquistando mais espaços em sua própria terra, para além do gueto — a Noite da Príncipe se tornou uma referência para apreciadores de música eletrônica e os DJs do selo passaram a tocar também nas rádios do país — como em todo circuito de eletrônica do mundo, especialmente os festivais mais inclinados ao experimentalismo.

Um dos pilares do selo, DJ Marfox tocou no Brasil em duas ocasiões: a primeira em 2014 e a segunda em 2018, para o festival Favela Sounds e para uma noite no Orfeu, em São Paulo. Agora é a vez de outro bastião do movimento: o angolano Nigga Fox, que integra o lineup do Gop Tun Festival, no dia 2 de abril, em São Paulo. Para você conhecer a Príncipe Discos e mergulhar nessa cena afro-portuguesa, preparamos uma lista com alguns dos melhores álbuns do catálogo do selo.

Marfox – Eu Sei Quem Sou EP (2011)

Marlon Silva é filho de um casal da ilha africana de São Tomé e Príncipe que mudou para Luanda em busca de melhores condições financeiras na capital angolana. Mas após a independência do país, em 1975, e a guerra civil em seguida, os pais do produtor se mudaram para Lisboa, onde Marfox nasceu. Este foi o primeiro lançamento da Príncipe Discos, mas também o primeiro álbum de um jovem músico da diáspora que afirmava sua identidade musical e cultural.  “Naquela época e até hoje eu sei quem sou. Mas há muitos jovens que, como eu, nascem em Lisboa mas não se sentem portugueses (porque dizem: “Ele é preto, não é português”) nem caboverdeanos ou angolanos (porque as pessoas lá dizem que eles não são). Então a pessoa vive um pouco no limbo, desnorteado. E essa música veio trazer certa identidade a essas e outras pessoas que não se identificavam com nada. Passaram a se identificar com o estilo, com a música”, analisou Marfox numa entrevista de 2018. Imerso em sonoridades da África lusófona (como a tarraxinha, o funaná e, principalmente, o kuduro), Marfox mostrava beats de peso irresistíveis para qualquer pista de dança.

DJ Firmeza – Alma do Meu Pai (2015)

Português de ascendência angolana, DJ Firmeza compôs seu álbum de estreia após a morte de seu pai, homenageado no título. O contexto imprimiu uma aura de luto, melancolia e gratidão meditativa em meio ao transe espiralar de suas percussões — sempre certeiras, feitas com a sabedoria de quem pertenceu a crews de danças africanas na adolescência. Com seis minutos de duração (quase o triplo da maioria), a faixa-título foi um marco do Batida ao estabelecer um beat de longa duração que não perdia a intensidade, mantendo o suingue com percussões polirrítmicas que surpreendem o ouvinte com cortes ou pequenos deslocamentos.

DJ Nervoso – Nervoso (2016)

Embora tenha levado alguns anos para lançar seu álbum, Nervoso é citado por vários artistas como um nome pivotal da cena de Lisboa. Foi ele que ensinou Marfox e Firmeza a usar o FL Studio, o programa de beats e produção usado pela maioria dos produtores. Desde o início dos anos 2000, seus sets baseados em mutações do kuduro angolano vinham incendiando festas na cidade. Os DJs do Batida ganharam notoriedade pelo beats frenéticos, complexos e cheios de energia, mas Nervoso vai no caminho oposto. Dos títulos até as bases construídas com poucos elementos, seu som é mais minimalista e circula por BPMs mais baixos (puxados sobretudo pela tarraxinha), focando em um suingue mais malicioso e até erótico — como fica evidente em “Ah ah”.

Vários artistas – Mambos Levis de Outro Mundo (2016)

“Quanto à estratégia, aprendemos na luta; algumas pessoas pensam que adotamos um método estrangeiro, ou algo assim. Nosso princípio é que cada povo deve criar sua própria luta”. A frase do líder revolucionário Amílcar Cabral, de Guiné-Bissau, na apresentação da primeira coletânea do selo explicita como esses músicos da diáspora africana estavam buscando a sua própria expressão, descobrindo sua voz para fazê-la ecoar. Com 23 faixas de diferentes artistas, mostrou para o mundo como essa cena era vasta e sólida (em seu tamanho) e como era diversificada (em suas características). As faixas de Mambos Levis vão da batucada espacial em “What Percussion”, do DJ Dadifox, até abordagens mais melódicas em diálogo com a eletrônica europeia, como “Deep House”, do DJ TL. Mas o grande destaque da compilação foi “La Party”, do DJ Lylocox, que passou a ser tocada por quase todos DJs da área. Márcio Matos, um dos criadores da Príncipe e artista responsável pelas capas do selo, contou à Pitchfork que o sucesso da faixa o levou a estabelecer uma nova regra nas festas deles: Se você tocar na mesma noite que Lilocox, não pode tocar músicas dele”.

Marfox – Chapa Quente (2016)

Com destaque na imprensa especializada, a Príncipe viu seus artistas começarem a ganhar palcos importantes pelo mundo. Marfox, por exemplo, passou pelo prestigiado Unsound, na Polônia, além de datas na Europa e Estados Unidos. Mas em Chapa Quente ele decidiu dar alguns passos para trás. “Quando estás fora há muito tempo, toca pouco na Noite Príncipe. Você começa a perder a sensibilidade do que é kuduro e o que não é”, destacou. Revirando seus arquivos, encontrou músicas de 2008 e voltou a trabalhar nelas. E essas faixas acabaram se tornando o carro-chefe do álbum: “Tarraxo Everyday” e “2625”, duas provas de seu amadurecimento musical e também da capacidade de se reinventar. A primeira é um tarraxo retro-futurista. Já “2625” é uma síntese improvável de referências, combinando o techno, percussões que soam como repiques de escola de samba, palmas robóticas e uma melodia deslizante na flauta. São apenas seis faixas, mas é uma obra-prima certa da dance music do século 21.

Nídia – Nídia é Má, Nídia é Fudida (2017)

Nascida em Lisboa, Nídia se mudou para Bordeaux, na França, quando tinha 14 anos. Talvez essa distância geográfica da Batida de Lisboa tenha sido um dos fatores que levaram o seu som a um sotaque tão particular, diferente de boa parte dos parceiros de Príncipe. Seu álbum de estreia, Danger (2015), dava uma pista de que ali havia algo diferente (basta ouvir os synths esparsos em “Afro”). Mas Nídia é Má foi sua afirmação definitiva. O disco é composto por faixas curtas (a maioria abaixo de 2:30 minutos) que vão pulando de um estilo para outro, mas de alguma forma Nídia consegue transmitir consistência e personalidade. Faixas melancólicas (como a nostálgica “I Miss My Ghetto”) e de levadas mais arrastadas (como os climas árabes em “Sinistro”) pontuam o álbum, mas o destaque fica para os batuques robóticos, cruzamentos da percussão afro com a eletrônica europeia, particularmente a house music em “House Musik Dedo”. “Biotheke”, com seu timbre ciborgue oscilando entre o orgânico e o sintetizado, é uma das mais desafiadoras desse trabalho que põe a ancestralidade em movimento contínuo rumo a direções impensadas.

Nigga Fox – 15 barras (2017)

Se Nídia é Má (2015) era composto por várias faixas curtas e agitadas, 15 Barras é o oposto: uma suíte de 15 minutos com proposta mais atmosférica, que passa por diferentes seções. Nigga Fox já tinha um nome consolidado na própria Príncipe (seu EP O Meu Estilo está entre os primeiros do selo e apareceu em playlists de Thom Yorke) e no cenário internacional, mas este álbum apresentou um caminho inédito para ele e para toda a cena. “Não é um disco para tu dançar na pista, é para tu viajar. Já tiveram pessoas que me disseram que esse disco a ajudou a terminar de escrever um livro”, conta. O épico cinematográfico começa com pulsos de baixos oriundos do acid house e recortes de vozes distorcidas. Em vez dos beats matadores do kuduro ou afrohouse, a música vai se dissolvendo, tornando-se brisa. Ainda um dos trabalhos mais ousados editados pela Príncipe — e uma nova geração vem sendo influenciada pela forma longa proposta por Nigga Fox aqui.

Lycox – Sonhos e Pesadelos (2017)

Todos os artistas da Príncipe, sem exceção, são peritos na construção de ritmos intrincados e sedutores. Mas Lycox, para além disso, é também um produtor engenhoso na construção melódica. Baseado em Paris, ele absorveu influências do house, que despontam em faixas de clima mais solar e com uma sensibilidade um pouco mais pop, como no resplandecer suave de “Domingo Abençoado” e no tom noventista de “Solteiro”. Mas isso não quer dizer abrir mão da experimentação. “Galinha” tem um aspecto sombrio e ameaçador, como um filme de terror, como raramente se viu nas produções dos demais nomes do elenco.

Puto Tito – Carregando a Vida Atrás das Costas (2019)

Nascido em Angola, Puto Tito foi para Lisboa com a família quando mal sabia falar. Produz músicas desde a adolescência, mas suas músicas foram rejeitadas por outros DJs e amigos da crew Casa Louca Produções por não terem um apelo dançante. Carregando a Vida Atrás das Costas é um EP duplo que reúne uma coleção de faixas lançadas por Tito no Soundcloud entre 2014 e 2015, quando ele tinha entre 14 e 15 anos. O álbum mais minimalista e inusitado dentro do catálogo da Príncipe, é definido por uma abordagem lo-fi, às vezes soando como uma obra em progresso, incompleta — mas com percursos apaixonantes. A névoa de solitude na faixa-título, as dissonâncias de “Agora Sem Brincadeira” e a melancolia de “Tristesa” dão uma mostra de como Tito está fora da curva. Mas a grande faixa (quase um manifesto involuntário) é “Melodia Daquelas”, que flutua em torno de sintetizadores 8-bits sem nunca dropar um beat. Ficção científica do gueto.

A.k.Adrix – Código de Barras (2020)

Filho de angolanos e nativo de Lisboa, Adrix se mudou para Manchester em 2015, quando tinha 19 anos, e logo passou a incorporar elementos do underground britânico (como o drum & bass, grime e jungle) ao seu mix afro-português de kuduro, tarraxinha, kizomba e zouk. Transitando entre camadas de sintetizadores enevoados (como em “Ambiente Spiritual” e “Positividades”) e bangers agressivos dirigidos à pista de dança (caso de “X50” e “Settings”), Código de Barras, o segundo álbum do produtor, indica os caminhos promissores da nova geração da Príncipe, constantemente incrementando novas misturas à sua paleta de sonoridades — movimento puxado também por produtores como Nídia e Blacksea Não Maya.

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Words: Jorge Manuel Lopes

Nigga Fox é um cidadão musical do mundo. Passa-se pelas redes sociais que frequenta para se saber de que latitude chegou a mensagem mais recente (Washington, D.C., para efeitos deste texto). A sua produção musical não tem sido afetada pelo retomar do globetrotting: em uma década de lançamentos mantém uma cadência pendular (e sucinta na duração) que já rendeu sete discos, quase todos EP de 12 polegadas, com um álbum e uma cassete gravada ao vivo pelo meio; quase todos através da Príncipe – exceção para “Crânio”, EP editado em 2018 pela britânica Warp.

“Música da terra” tem duas faces com tons notoriamente distintos. “Madeso” é um carrossel meio psicadélico que tanto pode causar dança como tonturas. Uma faixa em estado de alarme, com uma gloriosa barragem de quinquilharia rítmica a ajudar à desorientação, demasiado caótica para se perceber onde está o padrão – que, vai-se a ver, não existe. “Gás natural”, quase uma coda de “Madeso”, persiste nos motivos sonoros cíclicos que sobressaltam o ouvinte embora abrande e simplifique a batida, tudo temperado com salpicos de melodia.

A segunda metade é outra coisa. “Sanzaleiro”, uma colaboração com DJ Firmeza, segue uma via bem mais linear, corporal, de celebração. Há vozes detonadas que funcionam como riffs e um intervalo aclimatizado que parece beber nos componentes ambient do tempo, no final do anos 1990, em que o drum & bass atingiu velocidade de cruzeiro. É uma composição notável, um filme em progressão em que os processos de acumulação e subtração de camadas de som nunca olham para trás. “Sasuke” é um desenvolvimento brando de “Sanzaleiro”. Breve, é a que mais se afasta dos rendilhados rítmicos de alusão africana, situando-se entre gargarejos ácidos e, de novo, o ambient. Demonstra, uma outra vez, o fascínio que Nigga Fox parece nutrir pela música eletrónica de dança da última década do século passado, um período marcado por acelerações estéticas e contaminações futuristas – e otimistas, um atributo especialmente necessário neste momento.

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Words: Kez Cochrane

Whether it be his own productions, DJ sets or creating remixes for the likes of Fever Ray and Elza Soares, DJ Marfox always brings the heat. The Lisbon artist is a pioneer of kuduro – the high-octane Angolan-Portuguese dance style – and his work is foundational to Príncipe, who released Marfox’s debut Eu Sei Quem Sou EP.

DJ Marfox’s continued impact on the dance music landscape is extensive. Alongside releases on Príncipe, he’s featured on Lit City Trax, as well as Boomkat Records and Warp. The scope of his work is reflected across both his releases and the range of artists he’s worked with, such as tUnE-yArDs and Panda Bear.

Ahead of this year’s Sónar Lisboa, DJ Marfox curates an exclusive Selections playlist of dancefloor heaters. “To celebrate this return as a DJ and playing out in Lisbon, I decided to put together a playlist of life,” he tells Crack Magazine. “It’s not exactly made up of my favourite songs, but songs that arouse specific sensations in me. Some that take me to another place and others that are there just to be there. It is a therapeutic narrative to put together a playlist like this and then listen to it, plain and simple.”

His Buy Music Club playlist spans gqom from DJ Lag to Príncipe’s high-energy sounds via Daniel Haaksman’s playful future bass.

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Words: Kiana Mickles

Música da Terra roughly translates to “earth music,” though there isn’t much earthly about DJ Nigga Fox’s music. If Príncipe mainstay DJ Marfox once described the drunken beats reverberating out of Lisbon’s batida scene as “free,” Nigga Fox is the finest example of the genre’s brazen limitlessness. Tracks from his catalog can pair well with the most out-there Chicago footwork, engaging with the beat grid in a way that feels both anarchist and danceable. The latest EP shows a somewhat reserved Nigga Fox. This might be difficult to believe with an opener like “Madeso,” an unrelenting windstorm of brass stabs and cross-hatched percussion. But then there are pockets of calm in the dallying melody that skips across “Gás Natural”‘s rhythm of mayhem, a beat crafted from hulking hi-hats, maracas and more curiously, a sample resembling cartoon swoop effects. There’s a more satisfying reprieve in the oceanic pads that cut through the histrionic drums and delirious looping melodies of the claustrophobic “Sanzaliero.” Closing out, “Sasuke,” is the most sedated of all, folding lo-fi house and acid bleeps into sleepy batida. Like any DJ worth their salt, DJ Nigga Fox knows what goes up, must come down.

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DJ Nigga Fox ‘Música da Terra’ (Príncipe)

The Príncipe mainstay’s latest EP is a typically propulsive four-tracker, riding an erratic pulse of clattering percussion, haywire rhythms and throbbing bass. ‘Madeso’ is a disorientating and angular opening; ‘Gás Natural’ feels like an attack of tropical birds, pairing sharp cries with whooshing wind swipes; DJ Firmeza collab ‘Sanzaleiro’ is as filled with ideas as you’d expect from two genius producers working in tandem; and closer ‘Sasuke’ hits contrasts hard acid bass with unsettled rhythms.

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